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Cruzeiro 1997: Análise do "Time de Aluguel" e o Fracasso no Mundial de Clubes
Por Redação Raposa Azul em 14/06/2025 03:12
Na tarde de 2 de dezembro de 1997, o Cruzeiro pisou no gramado para a final do Mundial de Clubes, enfrentando o poderoso Borussia Dortmund da Alemanha. A expectativa era imensa, não apenas pela magnitude da partida em si, mas pela peculiaridade do elenco que representava o campeão da América. Era uma equipe que, ao longo do ano, havia navegado por águas turbulentas, oscilando entre o triunfo continental e uma performance preocupante no campeonato nacional. A ambição de conquistar o mundo, no entanto, levou a uma aposta arriscada: a formação de um time com reforços pontuais, um grupo que, nos bastidores, ficou conhecido como o "time de aluguel", e que acabou por não alcançar o objetivo final.
Aquele ano de 1997 foi, sem dúvida, um período de extremos para a Raposa. A glória máxima na Libertadores da América foi seguida por uma campanha no Campeonato Brasileiro que beirou o inaceitável, com o clube escapando do rebaixamento por uma margem mínima. Esse contraste drástico impôs um dilema à diretoria e, mais especificamente, ao então presidente Zezé Perrella. A ideia de apresentar no palco mundial uma equipe que, há pouco, flertava com a Série B, parecia inconcebível. A solução encontrada foi ousada e, como se veria, controversa.
Os Reforços de Última Hora e a Ambição do Título Mundial
Para o confronto decisivo contra os alemães, nomes de peso foram agregados ao elenco celeste: Bebeto, Donizete Pantera, Gonçalves e Alberto Valentim. A intenção era clara: injetar qualidade e experiência para a partida única entre os campeões continentais. A aposta era tão alta que, segundo Zezé Perrella, o incentivo financeiro oferecido aos atletas era substancial.
"Estava pagando um prêmio muito legal para serem campeões. Para a época, era bastante grana. Eu diria assim, cinco vezes o salário de cada um deles. Acho que isso, por si só, já motivava"
Apesar do aparente estímulo, o esforço foi em vão. O Cruzeiro , mesmo com boas passagens e chances criadas, não conseguiu superar a solidez do Borussia Dortmund, que contava com nomes como Júlio Cesar, Stefan Reuter e Klos. A derrota por 2 a 0 selou o destino daquele investimento, que para muitos, não se justificou. Contudo, Zezé Perrella defendia veementemente sua decisão.
A Controvérsia nos Bastidores: Ciúmes e Desconforto
A chegada dos reforços, embora motivada por uma necessidade percebida pela diretoria, gerou um clima de desconforto dentro do vestiário. A equipe que havia lutado e conquistado a Libertadores sentiu que, no momento de colher os louros, seria preterida por atletas que chegavam apenas para um jogo. A frase que ecoava entre os jogadores era incisiva:
"Roeu o osso e na hora do filé, vai vir outra pessoa e comer."
Nonato, lateral-esquerdo titular na campanha vitoriosa da Libertadores, exemplifica a frustração. Da euforia da conquista continental à amargura de ser preterido e sequer entrar em campo no Mundial, sua experiência sintetiza o sentimento de parte do elenco . Ele recorda um ambiente conturbado, onde a incerteza sobre a própria participação na viagem era palpável.
"Não teve nenhum problema (com os reforços), a gente recebeu eles muito bem. O problema era o ambiente perturbado. Para ter ideia, até sair a relação dos jogadores que estavam convocados para a viagem, nem o Dida tinha comprado a passagem das esposas. O Gotardo nem viajar, viajou. Eu viajei e fiquei no banco. O Alberto, que foi contratado para jogar, não jogou. (...) Se tivesse sido o mesmo elenco , com Paulo Autuori, a chance de sair campeão seria melhor."
A Visão dos Reforços: Entre a Ambição e a Realidade do Vestiário
Donizete Pantera, um dos reforços, chegava ao Cruzeiro em um momento de ascensão em sua carreira, brigando por uma vaga na Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1998. Ele percebeu de perto o clima de desconfiança e ciúmes que a presença dos "jogadores de aluguel" provocou.
"Estávamos passando por momentos importantes nos clubes onde estávamos. Eu estava bem no Corinthians. É sonho de qualquer time ser campeão mundial. Naquele momento, o Cruzeiro tinha classificado para o Mundial, mas alguns jogadores tinham saído do clube, alguns outros caíram de rendimento. Foi legal (ir para o Mundial). Uma coisa muito rápida. A gente chegou como se fosse numa seleção brasileira, para jogar um jogo e ver o que daria. Chegamos inseguros, porque a gente ia jogar apenas um jogo."
Donizete notou a apreensão dos atletas que haviam construído a base da equipe campeã da Libertadores:
"Muitos jogadores do time sentiram inferiores, acharam: ?Os caras chegaram para fazer diferença, mas a gente lutou para caramba para chegar onde chegamos, agora eles vêm aqui?. Achei que rolou um pouco de ciúmes, sim, sem dúvida."
Apesar disso, o atacante buscou se integrar e minimizar o atrito, compreendendo a necessidade dos reforços para uma competição tão singular.
"É normal isso. Eu sentia que a fofoca fora do campo estava acontecendo: ?Para quê chamaram os quatro heróis agora?? Mas eu cheguei para a galera e falei: ?Somos profissionais, vocês e nós, amigos de profissões. Estamos com maior carinho, ninguém é Batman, Robin, Hulk. Peço desculpas, porque se fosse no meu time eu receberia vocês com maior prazer."
Para Donizete, o resultado final seria o grande nivelador. Uma vitória teria silenciado qualquer questionamento. A derrota, no entanto, deixou margem para a crítica.
"Sempre me aproximei da galera. No geral, eu acho que se a gente tivesse vencido, tudo tamparia, porque o objetivo teria sido cumprido. Como a gente perdeu, ficaram muitas coisas para trás, das pessoas questionarem, falarem que não precisava. Eu acho que precisava, precisava sim, porque é uma competição muito dura, muito difícil."
A Justificativa Presidencial e as Cicatrizes de uma Decisão Arriscada
Zezé Perrella, ciente do desconforto, mas firme em sua convicção, defendeu a medida como uma forma de evitar o remorso de uma omissão. A lembrança do quase rebaixamento no Brasileiro era um fantasma que ele não queria ver materializado no cenário mundial.
"Ah, sempre tem uma ciumeirinha. O fato do Gotardo não ter ido... Eles não tinham coragem de falar para mim. Até porque estava pagando um prêmio muito legal para serem campeões. (...) O Nelsinho não quis levar o Gotardo, a sua liderança era positiva e acabou que eu até eu deveria ter forçado uma barra porque o Gotardo era um jogador experiente, tinha uma certa liderança, mas enfim. A única coisa que eu tenho certeza que eu não faria é levar aquele time que quase foi rebaixado para disputar o Mundial. Um time cabisbaixo. Eu achei que se eu desse uma mexida no elenco , poderia causar algum resultado."
Apesar da justificativa, a decisão deixou marcas. Donizete Pantera, por exemplo, expressou o desejo de ter tido um vínculo mais duradouro com o clube, algo que não se concretizou. A efemeridade do arranjo, com a maioria dos reforços tendo contratos de apenas um mês, gerou descontentamento até mesmo entre eles.
"O único contrato que o Cruzeiro fez foi com o Bebeto. Ele ia ficar no clube, mas a gente ia jogar e voltar para os nossos clubes. Como se fosse um empréstimo. Isso deixou a galera triste: ?Os caras vêm aqui, vão jogar, ganhar (dinheiro) e vão embora?? Isso foi ruim. Acho que teria que ser contratado, meu sonho era ser contratado pelo clube. Isso não aconteceu, dificultou muito. Por isso tive que conversar com a galera, que não era minha culpa. Não ficou ninguém, porque não fomos campeões, mas foi legal"
Para Nonato, a frustração transcendeu o campo, afetando até a relação de sua filha com o clube. A expectativa de vê-lo jogar no maior palco foi substituída pela decepção de vê-lo no banco durante toda a partida, um episódio que, segundo ele, a afastou do Cruzeiro .
"A minha frustração maior é que esse jogo fez minha filha não ser mais torcedora do Cruzeiro . Ela acordou cedo para assistir ao jogo, e eu fico no banco o tempo inteiro. Depois daquele dia, ela não torceu mais para o Cruzeiro ."
Apesar do desfecho amargo, Nonato guarda orgulho da conquista da Libertadores, um feito que o eternizou na história do clube. Aquele ano, com todas as suas reviravoltas ? a saída de Paulo Autuori, a venda de Palinha, a chegada de Nelsinho Batista, o quase rebaixamento e, por fim, a aposta nos "jogadores de aluguel" ? culminou em uma final que, para Donizete, era plenamente vencível.
"Nosso time era bom demais. Tínhamos um time qualificado. Não foi porque chegaram quatro jogadores... o Cruzeiro tinha uma base com 20 jogadores. Somos jogadores que estávamos na Seleção e bem nos clubes, que eram qualificados. Chegamos para fazer diferença. A gente começou bem, depois tivemos uma falta de sorte. Para recuperar, é complicado. A gente tentou, buscou, e o jogo passa muito rápido. Como é jogo tenso, passa muito rápido, ainda mais quando está perdendo. Fica ligado, passa rápido, às vezes não tem esperteza e malandragem para não errar coisas que não erra normalmente. Só quem joga esses jogos sabe como é."
A história do Cruzeiro em 1997 é um testamento da complexidade do futebol, onde a ambição gerou uma estratégia singular, mas que, no final, não foi suficiente para concretizar o sonho mundial, deixando um legado de lições e sentimentos mistos entre os que a viveram.
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