A Superação de Marcelo Moreno: Do Luto no Futebol à Solidariedade Humana

A Despedida dos Gramados e o Início de uma Nova Jornada

Após anunciar sua aposentadoria do futebol em 7 de abril de 2024, o ex-atacante Marcelo Moreno enfrentou um período de intensas provações, marcadas por perdas significativas tanto na vida pessoal quanto na profissional. Ícone na história do Cruzeiro, o jogador boliviano teve que lidar com o falecimento de seu pai, um de seus maiores incentivadores, pouco antes de encerrar sua trajetória nos campos. Esse acontecimento, inclusive, foi um dos fatores que o motivaram a tomar a decisão de se aposentar.

Em uma entrevista concedida ao "The Players Tribune", Moreno compartilhou detalhes sobre seus dias após sua penúltima passagem pelo Cruzeiro , entre 2020 e 2022. Sua saída do clube ocorreu logo após a chegada de Ronaldo Fenômeno, que assumiu o controle do futebol celeste com a aquisição da Sociedade Anônima de Futebol (SAF). Ele relata: "Em janeiro de 2023 eu tinha ido pro Cerro Porteño com um estranho aperto no coração. Deixar o Cruzeiro mais uma vez bateu em mim como uma despedida do futebol. Em algum lugar da minha alma, embora ainda estivesse bem fisicamente e querendo jogar, eu sentia que o fim se aproximava".

Luto Pela Perda do Pai

O pai de Marcelo Moreno , Mauro Martins, faleceu aos 72 anos, vítima de complicações decorrentes de um câncer de fígado, conforme noticiado pela imprensa boliviana. "Até que um dia eu entendi tudo. Meu telefone tocou e eu recebi a pior notícia de todas: o meu pai, mi viejo (meu velho), o meu herói, o meu ombro de todas as horas tinha partido. Naquele momento eu tive a certeza de não conseguiria mais ser um jogador de futebol. Ainda tentei no Independiente del Valle, mas foi impossível prosseguir", desabafou Moreno, evidenciando o impacto profundo da perda em sua vida.

Apesar da dor, Moreno reconheceu a importância do Cruzeiro nesse período tão delicado. "De um jeito duro, eu aprendi que até os homens com muita felicidade acumulada ficam tristes. Mas, para a minha sorte, existia o Cruzeiro . E na hora que eu mais precisei a galera fez de tudo pra me alegrar. Fez aquela festa de despedida emocionante no Mineirão, antes da decisão do Campeonato Mineiro deste ano. Foi inesquecível e revigorante", ressaltou, demonstrando gratidão pelo apoio recebido.

A História de Marcelo Moreno no Cruzeiro

A trajetória de Moreno no Cruzeiro foi marcada por passagens em diferentes momentos: de 2007 a 2008, em 2014 e, por último, de 2020 a 2021. Ao todo, o "Flecheiro Azul" disputou 147 partidas oficiais pelo clube, consolidando-se como o quarto estrangeiro com mais jogos na história do Cruzeiro . Durante esse período, ele marcou 54 gols e conquistou três títulos: o Campeonato Brasileiro da Série A em 2014 e os Campeonatos Mineiros de 2008 e 2014.

A despedida oficial dos gramados ocorreu antes da final do Campeonato Mineiro de 2024, em um Mineirão lotado, com a presença de mais de 61,5 mil torcedores. "Aquele dia (da despedida no Mineirão) eu voltei pra casa com o coração mais leve, certamente. Mas o luto ainda era forte e ele me dominava. Na verdade eu vivia dois lutos agora: pelo meu pai e pelo fim da minha carreira de 21 anos no futebol. Como a vida seria dali pra frente, sem meu pai, sem o futebol, sem gols, sem a felicidade? Não teria sido melhor continuar jogando mais um pouco, pelo menos pra me distrair enquanto tentava me levantar? Por que eu decidi me aposentar justo agora?", questionou, revelando suas angústias.

A Solidariedade como Caminho para Superar a Dor

Em meio ao luto, Marcelo Moreno encontrou forças para agir diante da tragédia que assolou o Rio Grande do Sul, atingido por severas enchentes. Ele se mobilizou para arrecadar doações de alimentos, eletrodomésticos, colchões e outros itens essenciais para as vítimas. "Eu não tinha resposta pra nada. Me estabeleci com a minha família em Porto Alegre pra esperar o tempo passar e então começou a chover. Choveu dias sem parar. A água foi subindo, subindo? De dentro do meu apartamento situado numa área segura da cidade, eu via pela televisão as pessoas perderem suas casas, suas lembranças, seus amores, perderem tudo na enchente. Eu precisava fazer alguma coisa. Me juntei a algumas pessoas e começamos. Telefonava pra gente famosa que eu conhecia e pedia", relatou.

A ação solidária contou com o apoio de amigos, que contribuíram com doações, empréstimos de veículos e até mesmo um helicóptero. "Deixa comigo, Marcelo, vou mandar uma carreta de comida. Marcelo , estou enviando uma tonelada de água mineral. Ok, eu consigo mandar o helicóptero da minha empresa pra você. Às vezes, eu recebia ligações de gente que eu não conhecia, mas queria contribuir. Muita gente de bom coração. E, de certa forma, sem procurar por isso, me tornei um ponto de referência e de confiança dos esforços pra diminuir o sofrimento das pessoas", compartilhou Moreno, destacando como a ajuda ao próximo o auxiliou a lidar com o próprio sofrimento.

O Poder da Empatia e da Cura Através da Ajuda Mútua

"Só que elas nem imaginavam como me ajudavam a diminuir o meu. Passei cinco meses trabalhando, indo pra rua, vendo as necessidades, tentando levar algum conforto. E cada abraço que eu recebia me fazia chorar, porque lembrava dos abraços que eu recebia depois de marcar um gol e, principalmente, dos que ganhava depois de perder um gol. Esses eram os mais importantes", revelou Moreno, enfatizando o poder curativo da empatia e da solidariedade.

Foi através desses gestos de carinho e apoio que o ex-jogador conseguiu encontrar o caminho para superar o luto pela perda do pai e o encerramento da carreira. "Foi assim, de abraço em abraço, que eu fui saindo do luto. Fui recebendo as respostas para as minhas inquietações de jogador recém-aposentado. No fim das contas, concluí que parei de jogar futebol no momento em que passei por isso: para estar em Porto Alegre naquela hora trágica. Ao ajudar as pessoas que sofriam, eu recebi em troca os abraços que me curaram", concluiu.

Em suas palavras finais, Moreno expressou sua gratidão ao Brasil e ao Cruzeiro : "Ainda é tudo muito recente e são muitas coisas pra processar. Mas jamais vou esquecer de tudo o que vivi neste lindo país, onde descobri que a felicidade é azul como o céu. Devo muito ao Cruzeiro . Devo muito ao provo brasileiro".